Martinho Lutero

(c) Autor desconhecido
 
Martinho Lutero nasceu no dia 10 de novembro de 1483 na pequena cidade de Eisleben. Os tempos foram de dificuldades para a família quando Lutero nasceu, embora em 1511 tivesse quotas de participação em seis minas e duas fundições. Foi educado sob dura disciplina daquela época. Seu interesse pelos trabalhos difíceis, sua força de vontade e seu conservadorismo pragmático acompanharam-no desde cedo. Após um breve período numa escola dos Irmãos da Vida Comum em Magdeburg, Luro foi  mandado para uma escola em Eisenach, ficando aí de 1498 a 1501.

Era sustentado por amigos bondosos, entre os quais estava Úrsula Cotta. Aí recebeu o ensino superior de latim, condição essencial para sua entrada na Universidade. Em 1501, já na Universidade de Erfurt, começou a estudar a filosofia de Aristóteles sob a influência de professores que seguiam idéias nominalistas de Guilherme de Occam. Occam ensinava que a revelação era o único guia no campo da fé mas que a razão era o guia verdadeiro da filosofia. Estes estudos filosóficos de Lutero em Erfurt convenceram-no da necessidade da intervenção divina para que o homem alcançasse a verdade espiritual e se salvasse. Recebeu o grau de bacharel em artes em 1502, e o de mestre em artes em 1505. Em 1505, Lutero entrou num mosteiro da ordem agostiniana em Erfurt, e em 1507 foi ordenado e celebrou sua primeira missa.

No inverno e 1508, ensinou teologia por um semestre na nova universidade, fundada em Witteberg em 1502 por Frederico, o Eleiktor da Saxônia. Seus estudos agora em Erfurt eram também principalmente teológicos. Tais estudos só fizeram aguçar sua luta interior; ele encontrou algum auxílio nos conselhos e Staupitz, o vigário geral da sua ordem, que lhe aconselhou a confiar em Deus e estudar a Bíblia.

Lutero, então, passou a ensinar os livros d Bíblia no vernáculo e, para fazê-lo melhor, começou a estudar as línguas originais da Bíblia. Aos poucos desenvolveu a idéia de que somente na Bíblia podia encontrar a verdadeira autoridade. De 1513 a 1515, deu aulas sobre Salmos; de 1515 a 1517, sobre Romenos e depois, Gálatas e Hebreus. Entre 1512 1516, quando preparava suas aulas, encontrou a paz interior que não conseguia nos ritos, nos atos ascéticos ou na famosa Teologia Germânica dos místicos, por ele publicada em 1516. A leitura do verso 17 do capítulo 1 de Romanos convenceu-o de que somente pela fé em Cristo era possível alguém  tornar-se justo diante de Deus. A partir daí, a doutrina da justificação pela fé e a sola scriptura, a idéia segundo a qual as Escrituras são a única autoridade para o pecador procurar a salvação, passaram a ser os pontos principais de seu sistema teológico. Staupitz, a vista de Roma, os escritos dos místicos e dos escritos dos Pais, especialmente os de Agostinho, exerceram uma influência significativa na sua vida, mas foi o estudo da Bíblia que o levou a crer somente em Cristo para sua salvação.

Em 31 de outubro de 1517, Lutero afixou sua 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Witteberg. Nelas, condenava os abusos do sistema das indulgências e desafiava a todos para um debate sobre o assunto. Uma leitura das 95 Teses revela que Lutero estava apenas criticando os abusos das indulgências, na intenção de reformá-lo. Entretanto, entre 1518 e 1521, ele foi forçado a admitir a separação do romanismo como a única alternativa para se chegar a uma reforma que significasse uma volta ao ideal da Igreja revelado nas Escrituras. A tradução para o alemão e a impressão das Teses divulgaram rapidamente as idéias de Lutero.

Publicadas as Teses, Tetzel procurou usar a força da ordem dominicana para silenciar Lutero, que encontrara apoio na ordem agostiniana. Lutero foi obrigado a debater o problema perante os membros de sua ordem, em Heidelberg, em 1518, mas só compareceram os membros do círculo daqueles que tinham aceitado as suas idéias, incluindo Martin Bucer (1491-1551).

Um aliado valioso, que mais tarde suplementaria com sua moderação a audácia de Lutero, chegou a Wittenberg para ensinar grego, em 1518. Aos 21 anos, Filipe Melanchton (1487-1560) já conhecia bem as línguas clássicas e o hebraico. Enquanto Lutero foi grande voz profética, Melanchton foi o teólogo da Reforma. Ele e os outros da faculdade de Wittenberg defenderam lealmente as opiniões de Lutero. No outono de 1518, Lutero dizia que para ele, a única autoridade no debate que se aproximava não seria o papa nem a Igreja, mas a Bíblia. Não fosse, porém, a ajuda de Frederico, o Eleitor da Saxônia, um dos que elegiam o imperador do Santo Império Romano, ele teria fracassado diante dos dominicanos. Quando de sua intimação para comparecer perante a Dieta de Augsburg, em 1518, Frederico prometeu dar todo o seu significativo apoio ao bravo reformador.

Em 1520, Lutero resolveu levar o assunto ao povo alemão com a publicação de três panfletos. O "Apelo à Nobreza Germânica" atingia a Hierarquia. Roma estabelecera que a autoridade espiritual era superior à temporal, que somente o papa poderia interpretar as Escrituras e que ninguém a não ser o para poderia convocar um concílio. Depois de expor os argumentos apresentados, Lutero passou a demoli-los a partir das Escrituras. Para ele, os príncipes poderiam reformar a Igreja, desde que necessário, o papa não poderia interferir nos negócios civis e todos os crentes tinham o direito de escolher seus próprios sacerdotes.

Em outubro, Lutero publicou "O Cativeiro Babilônico", no qual, mais incisivo, desafiava o sistema sacramental de Roma. O primeiro documento fora um ataque à hierarquia, mas este atingia o centro do sistema romano - os sacramentos como meios de graça quando ministrados pelo sacerdócio. Lutero contrapunha a validade exclusiva da Ceia do Senhor e do Batismo. Henrique VIII recebeu (para si e para realeza futura) do papa o título de "Defensor da Fé", graças à sua iniciativa de responder ao ataque de Lutero ao sistema sacramental. Por sua vez o terceiro panfleto, "Sobre a Liberdade do Homem Cristão", atingia diretamente a Teologia da Igreja Romana, ao afirmar o sacerdócio de todos os crentes como resultado da fé pessoal em Cristo. As posições estavam por demais claras: Lutero atacara a hierarquia, os sacramentos e a teologia da Igreja Romana e ainda apelava por uma reforma nacional.

Em julho de 1520, Leão X lançou a bula Ëxsurge Domine", que resultou eventualmente na excomunhão de Lutero. Os seus livros também foram queimados em Colônia. Em resposta, Lutero prontamente queimou em público a bula de Leão, no dia 10 de dezembro de 1520. Carlos V, o novo imperador, convocou, então, uma dieta imperial para Worms, na primavera de 1521, à qual Lutero deveria comparecer para responder por suas idéias. Com a garantia de proteção de Frederico e de outros príncipes germânicos, Lutero compareceu. E novamente, se recusou a retratar, a menos que fosse convencido de seu erro pelo "testemunho das Escrituras" ou pela razão. Disse que se basearia somente nisto e pediu ajuda de Deus. Seus amigos o seqüestraram no caminho de volta a Wittenberg e o levaram para o Castelo de Wartburg, onde ficou até 1522. Após a sua partida de Worms, a Dieta publicou um edito ordenando a todo súdito do imperador a prender Lutero e encaminhá-lo às autoridades. A leitura de seus escritos foi também proibida.

Neste difícil período de 1521 a março de 1522, Melanchton não perdeu tempo. Sua pequena obra sobre a teologia dos reformadores de Wittenberg, Loci Communes, saiu em 1521. Este livro, escrito em latim, foi o primeiro tratado teológico da Reforma, tendo alcançado inúmeras edições durante a vida do autor e fazendo dele o teólogo do movimento luterano.

A Bíblia toda foi traduzida do original para o alemão em 1534. Quando publicada, não só foi a primeira Bíblia do povo alemão em sua própria língua como tornou a forma padrão da língua germânica. Lutero escreveu também "Sobre os Votos Monásticos", em que convocou monges e freiras a repudiarem seus votos prejudiciais, a deixarem a clausura e a se casarem.

Sem dúvida alguma, Lutero foi um herói nacional, tido em alta conta ao mesmo tempo por príncipes, camponeses, humanistas e senhores; seu comportamento, entretanto, nos anos seguintes alijou alguns daqueles que o tinham seguido tão prontamente no começo. Ao mesmo tempo que estava em Wartburg, Nicolau Storch e Mark Stubner, conhecidos como profetas de Zwickau, apareceram em Wittenberg e começaram a pregar idéias similares aos anabatistas. Ensinavam que o Reino de Deus irromperia proximamente na terra e que seus seguidores teriam revelações especiais. Até mesmo Carlstad, geralmente firme, foi influenciado por eles. Mesmo sob risco de vida, Lutero retornou a Wittenberg em 1522. Depois de oito dias de sermões na Igreja, Lutero aniquilou os profetas de Zwickau. O setor radical da Reforma, então, sentiu que não poderia contar com a ajuda de Lutero, que em 1535 rompeu abertamente com o movimento anabatista.

Ele perdeu também o apoio de humanistas, como Erasmo, em 1525. No início, Erasmo apoiava seus apelos por reforma, mas se retraiu quando percebeu que as idéias de Lutero provocariam uma ruptura com Roma. Ademais, discordava da posição de Lutero segundo o qual a vontade do homem era tão má que a iniciativa da salvação deveria partir de Deus. Em seu livro, "A Liberdade da Vontade", publicado em 1524, Erasmo ensinava a liberdade da vontade humana, numa espécie de resposta à negação da liberdade da vontade, como pregava Lutero.

Os camponeses também se tornaram hostis a Lutero em 1525 quando este se opôs à revolta dos camponeses. Depois de atentar para a sua negação da autoridade da Igreja e sua afirmação da autoridade de Escritura e do direito do indivíduo de ir diretamente a Deus para a salvação, eles aplicaram tais argumentos a seus problemas sociais e econômicos. O feudalismo trouxera muita opressão aos camponeses, os quais em seus "Doze Artigos", de 1525, pediram uma reforma dos abusos feudais assim tidos com base na autoridade das Escrituras.

Primeiramente, Lutero em sua Admoestação a Paz, de abril de 1525, instou com os camponeses que fossem pacientes e pediu aos lordes para reduzirem os encargos sobre os camponeses. Quando Lutero percebeu que este movimento social de caráter revolucionário poderia ameaçar a Reforma e subverter os fundamentos da ordem governamental até mesmo nas províncias protestantes, Lutero pediu aos príncipes, numa linguagem violenta, em seu panfleto "Contra o bando assassino e salteador" que pusessem fim à desordem. As autoridades não pensaram duas vezes para fazer uso da violência e massacraram 100mil camponeses. Em parte por causa desta aparente traição de Lutero, os camponeses do sul da Alemanha permaneceram na Igreja Católica Romana.

Outros sentiram a rejeição de Lutero dos votos monásticos, ao se casar com uma freira evadida, Catarina van Bora, em 1525, como uma injustificada ruptura com o passado. Lutero, no entanto, sempre achou ter agido corretamente, tendo conhecido muitas alegrias em sua vida familiar.

Foi também desagradável Lutero não ter sabido conjugar forças com Zwínglio, que liderava a Reforma nos cantões no norte da Suíça. Os dois se encontraram no outono de 1529, no que ficou conhecido como Colóquio de Marburg, no Castelo de Marburg, de propriedade de Filipe de Hesse. Eles concordaram em 14 das 15 proposições, mas discordavam na questão da presença de Cristo nos elementos. Para Zwínglio, a Ceia era um memorial da morte de Cristo, mas para Lutero havia uma presença física de Cristo na comunhão, embora a substância do pão e do vinho não se alterasse: ele argumentava que assim como o ferro permanece ferro embora fique vermelho cereja quando aquecido, a substância do pão e do vinho não muda mas dentro e fora dos símbolos há uma presença física real de Cristo. Esta posição ficou conhecida como consubstanciação.

Os acontecimentos na Alemanha obrigaram Lutero a tomar uma posição em que teve de desenvolver uma organização e uma liturgia eclesiásticas próprias para seus seguidores. Os príncipes que o seguiam conseguiram levar a Dieta de Speier, em 1526, a estabelecer, até que um concílio geral se reunisse, que o governante de cada estado estava livre para seguir a fé que se sentisse a ser correta. O princípio do cuius regio eius religiu, segundo o qual o rei escolheria a religião de seu estado, foi momentaneamente adotado. Talvez o fato de o Imperador Carlos V estar lutando para impedir que o seu inimigo francês, Francisco I, controlasse a Itália, durante a década de 1520, e a ausência da maioria dos príncipes católicos à Dieta tenham contribuído para esta decisão, que resultou no rápido crescimento do movimento luterano.

Uma segunda Dieta, realizada em Speier, em 1529, revogou a decisão da Dieta anterior e declarou que a fé católica romana era por lei a única fé. Os príncipes luteranos leram um "Protesto". A partir daí foram chamados de "Protestantes" por seus opositores. Veio daí a honrosa palavra "Protestante".

Em 1530, reuniu-se a Dieta de Augsburg. Melanchton, com a aprovação de Lutero, que elaborara a "Confissão de Augsburg", apresentou-a à Dieta. Transformada em credo oficial da Igreja Luterana, foi ele o primeiro dos sete credos que fizeram do período entre 1517 e 1648 o grande período de formulação doutrinária do  protestantismo, assim como o período de 325 a 451 fora o da formulação dos credos ecumênicos da Igreja, como o de Nicéia. Apenas sete dos 29 artigos se ocupavam em refutar os abusos religiosos; os demais apresentavam de modo positivo a fé luterana. Lutero escreveu a Missa Germânica e a Ordem do Culto em 1526.

Lutero também tinha elaborado em 1529 o Catecismo Menor, uma abordagem concisa dos 10 Mandamentos, do Credo dos Apóstolos, da Oração Dominical e de outros assuntos de teologia e liturgia. A Faculdade de Wittenberg, em 1535 começou a examinar e ordenar candidatos. O movimento Luterano fez, pois, um rápido progresso no norte da Alemanha, a despeito da oposição armada do Imperador e dos príncipes católicos.

O luteranismo foi também influente em outros países. As idéias luteranas serviram como fundamento da Reforma de John Knox, na Escócia. As idéias luteranas chegaram também à Inglaterra. Embora estes países tenham adotado formas particulares de Reforma, o luteranismo contribuiu na transição do catolicismo para o protestantismo. O luteranismo foi temporariamente vitorioso na Polônia, mas as divisões e as lutas internas entre os favoreciam a fé luterana permitiram à Igreja Romana recuperá-la para o catolicismo.

Foi, pois, na Alemanha e nos países escandinavos que o luteranismo conseguiu seus trunfos maiores e mais permanentes. A autoridade da Bíblia, que os líderes luteranos traduziram para as línguas de seus países, e a doutrina da justificação pela fé tornaram-se os lemas destes países no século XVI. Ao se opor ao comércio das indulgências feitas por Tetzel, em 1517, Lutero não esperava fazer a enorme obra que acabou fazendo.

BIBLIOGRAFIA:

CAERNS, E. E. O Cristianismo Através dos Séculos: uma história da Igreja Cristã. Trad. Israel Belo de Azevedo. 2ª ed. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1995


Versículo

"Querido Deus, Tu és minha proteção, a minha fortaleza. Tu és o meu Deus, eu confio em Ti. " - (Salmo 91:2)